SOU NEGRA, SIM

Resultados da Pesquisa "Mulheres Afro-Gaúchas"

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

ETNIAS AFRICANAS: MULHERES AFRO-GAÚCHAS

por Sátira Machado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa - Etnias Africanas, do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (2005/2006)
www.mars.rs.gov. br

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MAPA DO RS: A tonalidade mais escura indica os municípios
com maior percentual de Mulheres Negras no RS (Fonte IBGE/2006).

A PESQUISA

A equipe do Núcleo de Pesquisa – Etnias Africanas do MARS realizou a pesquisa “Mulheres Afro-Gaúchas”, parte integrante do projeto do Museu Antropológico do RS: “História, Memória e Tradição”, que tem por objetivo recuperar, proteger, preservar e divulgar as múltiplas faces das mais de 40 etnias que formam a identidade de gaúchos e de gaúchas do Rio Grande do Sul.

Num curto período, os integrantes da pesquisa “Mulheres Afro-Gaúchas", Charles Henrique Rosa dos Santos - Licenciado em História/FAPA, Jaqueline dos Santos - Estudante de História/FAPA, Letícia Guimarães Araújo - Estudante de História/FAPA, Manoela Ungaretti - Estudante de História/FAPA e Lia Vaz (Cabo Verde) - Estudante de Ciências Sociais/PUCRS realizaram entrevistas com o objetivo de dar voz às mulheres africanas e de descendência africana, valorizando o ponto de vista das mulheres negras acerca de suas histórias de vida e as inter-relações culturais, sociais, econômicas, lingüísticas, geográficas e biológicas com as demais etnias no Rio Grande do Sul, importantes para a formação da identidade da mulher gaúcha.

Para a efetivação do projeto, a pesquisa “Mulheres Afro-Gaúchas" utilizou o método qualitativo como referência, através de investigações documentais e de entrevistas em profundidade. Na pesquisa de campo, dá voz às mulheres que tragam visões de diferentes momentos históricos (20 mulheres negras, com mais de sessenta anos, entre trinta a sessenta anos e entre vinte e trinta anos). As mulheres negras entrevistadas (lideranças e membros da comunidade negra) são originárias de algumas cidades do RS com maior concentração dos descendentes das etnias africanas e, também, africanas residentes no Estado.

O percentual de mulheres negras no Estado é de 6,2%, segundo a Amostra das Características Gerais da População do Censo Demográfico 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Vale lembrar que, novas pesquisas tem revelado um percentual bem maior, a partir da autodeclaração mais consciente por parte dos afro-brasileiros.

Os municípios com maior número de mulheres negras têm entre 7 e 34% (pretas + pardas), são eles: Alegre, Alegria, Alvorada, Amaral Ferrador, Ametista do Sul, Arambaré, Bagé, Barra do Guarita, Barra do Quarai, Boa Vista das Missões, Bossoroca, Braga, Butiá, Caçapava do Sul, Cacequi, Campo Novo, Candiota, Caseiros, Ciríaco, Condor, Coronel Bicaco, Coxilha, Dezesseis de Novembro, Dilermando de Aguiar, Dom Pedrito, Herval, Erval Seco, Espumoso, Eugênio de Castro, Faxinalzinho, Fontoura Xavier, Formigueiro, Garruchos, Giruá, Gramado dos Loureiros, Gramado Xavier, Ibirapuitã, Itapuca, Itaqui, Jóia, Lajeado do Bugre, Lavras do Sul, Liberato Salzano, Machadinho, Maximiliano de Almeida, Mostardas, Novo Tiradentes, Novo Barreiro, Palmeira das Missões, Pantano Grande, Pedro Osório, Pelotas, Pinheirinho do Vale, Pinheiro Machado, Pirapó, Pontão, Porto Alegre, Porto Xavier, Restinga Seca, Rio Grande, Ronda Alta, Sagrada Família, São Gabriel, São João do Polêsine, São José das Missões, São José do Norte, São Luiz Gonzaga, São Nicolau, São Sepé, Seberi, Sede Nova, Segredo, Senador Salgado Filho, Silveira Martins, Tapes, Tavares, Trindade do Sul, Uruguaiana, Vacaria, Viamão, Vicente Dutra.

Foram entrevistadas 28 mulheres negras, são elas: Liliana Cardoso Rodrigues dos Santos, Ana Elba Peixoto de Abreu, Maria Helena Vargas da Silveira, Neuza Maria Machado Zoch, Rosa Maria Santos Araújo, Estela Maria Machado Feijó, Simone Pacheco, Sônia Maria Soares, Ligia Maria da Silva, Vera Lúcia Lopes, Rita de Cássia da Silva Dutra, Maria Joaquina Medeiros Sene, Antonia Lorita da Silva Soares, Simone Vieira Cruz, Iara Conceição Bitencourt Neves, Malu Viana, Deise Nunes Ferst, Zilah Machado, Maria Marques, Áurea Maria de Abreu Machado, Vera Regina de Araújo, Maria da Conceição Neves Afonso – São Tomé, Elizângela Lopes Gomes Adão – Guiné Bissau, Angolana (não quer ser identificada), Francisca Dias, Senhorinha Cleuma Vargas Machado, Mãe Carmen de Oxalá e Nizah Machado Sebaje.

A UTOPIA

No século XXI, novas investigações acerca da mulher negra no Estado são urgentes. No caminho da pesquisa documental e de histórias de vida, percebe-se que a comunidade negra no RS traz temas importantes para o debate, que transcendem a questão da escravidão.

O (re)descobrir da identidade da mulher negra gaúcha passa pelo reconhecimento: da história da Mãe África, anterior ao tráfico negreiro; das imagens positivas do continente africano e sua representação do feminino; da relação dos africanos com a natureza e a terra; da diáspora africana pelo mundo; da vida e obra de lideranças negras; da cultura ancestral dos vários grupos étnicos africanos que povoaram o Estado; e da contribuição do trabalho, também, das mulheres negras no acúmulo de riquezas do RS.

O exercício de elaboração da identidade sul-rio-grandense também deve contemplar o entendimento: da superação das condições de vida oferecidas, como as relações sexuais forçadas; do papel da mulher negra nas irmandades religiosas e religiões de matriz africana que influenciam a espiritualidade do gaúcho; da influência das negras na criação das crianças projetadas na linguagem e na literatura brasileira; da resistência social exercida pela população negra nos mais de 127 quilombos gaúchos; das guerreiras negras em solo sul-rio-grandense; da iniciativa da comunidade negra em criar escolas, alfabetizar adultos, mesmo com as restrições legislativas para a educação de descendentes de africanos; e da ascensão econômica do povo negro no Sul.

Aceitar as várias dimensões da mulher negra é conhecer: a história dos vários clubes sociais próprios do povo negro; a participação das mulheres negras na Imprensa Negra gaúcha, editada desde 1892 no RS; a emergência do Movimento Negro, principalmente o de mulheres negras sul-rio-grandensa; as manifestações literárias e artísticas; as expressões do samba, do carnaval, da capoeira, do hip-hop, do grafite, do esporte, dos mitos, das lendas, dos provérbios, das brincadeiras, dos jogos, da gastronomia, dos costumes, dos hábitos, dos mitos, etc. e sua relação com as demais etnias que compõem a identidade do Sul.

Entidades da sociedade civil organizada como, por exemplo as ONGs de Porto Alegre, Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras e ACMUN - Associação Cultural de Mulheres Negras do RS, ambas integrantes da AMNB - Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileira, vêm realizando projetos sociais, pesquisas científicas e eventos para mapear a real situação das mulher negra no Estado, com ênfase nos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, propostos pela ONU.

Ainda há muito o que se descobrir. A pesquisa “Mulheres Afro-Gaúchas” não pôde dar conta de todo o universo das particularidades das mulheres de descendência africana no Sul, mas deve estimular mais e mais pesquisas que revelem a essência das mulheres afro-riograndenses.

OBS: O resultado parcial da pesquisa "Mulheres Afro-Gaúchas", faz parte da publicação MULHERES DO RIO GRANDE DO SUL: Diversidade de Gênero, que se divide entre as cinco etnias formadoras da base da identidade das gaúchas: Mulheres Indígenas, Mulheres Espanholas, Mulheres Ciganas, Mulheres Luso-Açorianas e Mulheres Africanas. Tal projeto é fruto do Termo de Cooperação Técnica entre o Museu Antropológico do Rio Grande do Sul, dirigido por Maria Helena Nunes, a Coordenadoria da Mulher do Estado do RS, coordenada por Beloni Turcatto, o produtor cultural Sérgio Paiva, sob supervisão geral da cientista social Jussara Prá. (no prelo)


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